Consumidor quebrando cofrinho Superendividamento

Em julgamento de significativa repercussão para a sistematização da Lei do Superendividamento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento que delimita com precisão os contornos da atuação dos credores nas audiências de conciliação previstas no art. 104-A do Código de Defesa do Consumidor. No Recurso Especial 2.191.259/RS, interposto por uma Instituição Financeira, a Corte afastou a aplicação das sanções legais previstas no § 2º do referido dispositivo, reconhecendo como suficiente a presença de representante com poderes para transigir — ainda que não tenha havido apresentação de proposta de acordo.

A controvérsia teve origem em demanda ajuizada por consumidor superendividado, com fundamento na Lei nº 14.181/2021, que instituiu mecanismos específicos para a repactuação de dívidas de pessoas físicas em situação de vulnerabilidade econômica. Embora o banco tenha comparecido à audiência designada, munido de advogado e preposto com poderes negociais, não ofertou proposta concreta de pagamento. O juízo de primeiro grau, entendendo que essa conduta frustrava o propósito da audiência, aplicou as penalidades previstas no § 2º do art. 104-A por analogia, entre elas, a suspensão da exigibilidade da dívida e a submissão compulsória ao plano de pagamento apresentado pelo devedor. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

O STJ, entretanto, deu provimento ao recurso especial e reafirmou o caráter excepcional da aplicação de sanções no âmbito das audiências de superendividamento. Segundo o voto condutor, de lavra do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a legislação impõe ao consumidor o dever de apresentar um plano de pagamento viável, cabendo aos credores apenas a obrigação de comparecimento com poderes para transigir. A ausência de proposta de renegociação, por si só, não configura infração legal nem autoriza, automaticamente, a imposição de penalidades.

Nas palavras do relator, “a sistemática legal não exige dos credores a aceitação da proposta do devedor nem a apresentação de termos alternativos, pois a solução legal para a falta de acordo é a eventual submissão à fase judicial, com revisão e integração dos contratos”. O acórdão ainda reforça que a interpretação extensiva das penalidades previstas no CDC deve ser evitada, sob pena de violação ao princípio da legalidade e de comprometimento da segurança jurídica nas tratativas pré-processuais.

A Ministra Nancy Andrighi apresentou voto divergente, defendendo que a conduta do credor — embora formalmente adequada — teria violado os deveres de boa-fé objetiva e cooperação, pilares fundamentais do microssistema consumerista. Para ela, o comparecimento desprovido de efetiva disposição negocial equivaleria, na prática, à recusa em participar da audiência, legitimando a aplicação das sanções legais.

A tese vencedora, todavia, rechaça esse raciocínio e preserva os limites objetivos do texto legal. Embora reconheça a importância dos princípios que informam o procedimento de repactuação, o colegiado enfatizou que sua aplicação não pode substituir a literalidade das normas. Ressaltou-se, ainda, que o juiz permanece autorizado a adotar medidas protetivas, desde que fundadas em elementos concretos dos autos e respeitado o devido processo legal.

O precedente fixado contribui para a consolidação de uma jurisprudência coerente e previsível sobre o superendividamento, conferindo equilíbrio à relação entre a proteção da dignidade do consumidor e a segurança jurídica das instituições financeiras. Ao mesmo tempo em que reforça a necessidade de boa-fé e cooperação no processo de negociação, o STJ alerta para os riscos de interpretações que ultrapassem os limites legais e convertam audiências conciliatórias em arenas de imposição unilateral de obrigações.

Trata-se, em suma, de decisão que fortalece a racionalidade do sistema e sinaliza para o Judiciário a importância de atuar como garantidor da legalidade, especialmente em um contexto de crescente judicialização das relações de consumo e de ampliação das tutelas voltadas à preservação do mínimo existencial do devedor.

 

Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-mai-18/aplicacao-de-sancoes-no-ambito-das-audiencias-de-superendividamento/ 

Autor: Daniel Feitosa Naruto • email: daniel.naruto@ernestoborges.com.br

STJ afasta sanções a credor que compareceu à audiência de superendividamento sem apresentar proposta de repactuação de dívida

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